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Morar fora do Brasil é uma escolha? E se não for?

Atualizado: 25 de jul. de 2023

Vejo muitas discussões sobre a escolha de morar em outro país. Como psicólogo sempre me questiono sobre o que isso significa de fato. Será que morar fora do Brasil é realmente uma escolha? Tenho quase certeza de que não é... mas afirmar isso me obriga a desenvolver um raciocínio para compartilhar esse ponto de vista, quem sabe construindo um novo olhar.

A questão aqui é o que a palavra significa. Escolher é como se houvesse três bombons de diferentes marcas e sabores em sua frente, mas você só pode pegar um. Para realizar essa escolha, você vai usar de um artifício chamado raciocínio, buscando em suas memórias outras experiências com bombons, chocolates e seus sabores para chegar à conclusão de qual daquelas opções será a melhor para o seu paladar naquele momento.

Só que essa lógica não se aplica quando a pergunta é se a pessoa quer morar no exterior, porque a resposta é fechada apenas no Sim ou Não, já que as opções são apenas duas: Dentro ou Fora do Brasil.

Vou tomar algumas analogias para chegar à conclusão: você se decidir por ter uma casa própria, não vai fazer com que ela apareça do nada; assim como decidir morar no exterior não vai fazer você acordar no dia seguinte na Europa, nos Estados Unidos ou Canadá. Para ter uma casa própria ou mudar-se de país é necessário sim uma decisão, mas esse é apenas o início da jornada, e para trilhá-la é necessário assumir um compromisso com sua construção.

Morar fora não é uma escolha, é uma construção!

Talvez uma das melhores definições sobre isso possa ser encontrada na Terapia da Aceitação e Compromisso, que nos ensina a basear as melhores decisões em nossos mais profundos valores, um compromisso que assumimos em buscar aquilo que nos é mais importante e caro e isso nem sempre tem a ver com escolhas lógicas.

Um exemplo disso está no livro Em Busca de Sentido, do neuropsiquiatra Victor Frankl. Nele, o autor conta que enquanto estava como prisioneiro em um campo de concentração durante a segunda guerra mundial, descobriu um jeito de escapar daquele inferno. Em sua última ronda pelo hospital improvisado antes da fuga, um de seus pacientes perguntou-lhe se ele já estava partindo. Frankl descreve que se sentiu profundamente angustiado com o questionamento do paciente e isso o levou a procurar o colega com quem tinha planejado a fuga e lhe disse que preferia ficar para cuidar de seus pacientes e que, após essa decisão, sentiu-se em uma paz diferente de qualquer outra que já havia experimentado.

Para Victor Frankl, a escolha lógica era fugir. Não havia nada racionalmente mais prudente e vantajoso do que isso. Porém, ele foi tocado por seus valores, e quando isso aconteceu uma enorme paz lhe preencheu. Seguir os valores nem sempre é racional, mas se Frankl conseguiu paz em um dos ambientes mais vis que a história humana já descreveu, isso significa que todos nós somos capazes de assumir o comprometimento de construir a vida com a qual nos identificamos através de nossos valores.

Valores não são abstrações de um futuro distante, mas um apelo tão forte que é nos impossível de evitar.

Acho que você já percebeu que as consequências de uma sequência de escolhas e decisões formam padrões em nossas atividades. A isso chamamos Valores, nossas mais profundas crenças naquilo que desejamos de melhor para nós e as pessoas que estão ao nosso redor. Fugir de nossos valores nos causa sofrimento e frustração.

Portanto, justamente por isso, morar no exterior não é uma escolha, mas sim uma construção com base nos valores que mais nos são importantes, impossíveis de não ser levados em consideração, e que talvez não consigamos alcançá-los na mesma região em que nascemos.

Vamos supor que um de seus valores seja a educação e desenvolvimento pessoal e talvez não haja, em sua região de origem, nenhuma instituição de ensino que lhe supra as expectativas, mas que em Portugal haja. Ou talvez um de seus valores seja proporcionar à sua família um ambiente de segurança material e econômica, o que sabemos ser algo distante da realidade nacional, mas que na Inglaterra talvez isso tenha maior possibilidade. Quem sabe seu valor seja desenvolver-se na carreira e as oportunidades na Irlanda podem lhe abrir portas que outra instituição nacional não possa.

Estamos falando sobre possibilidades, mas com base na realidade que se alinham com nossos valores mais importantes e não em simples escolhas "disso" ou "daquilo".

Nesse sentido, decidir partir morar fora é um projeto de vida baseado fortemente em seus valores, baseado em ideias que são tão impossíveis de evitar que não será possível viver de outra forma sem que haja sofrimento.

Talvez ajude perceber que as decisões que você toma hoje já foram construídas há muito tempo em sua história de vida e que as decisões que tomará no futuro dependerá exclusivamente das experiências que constrói em seu aqui e agora, direcionados pelos seus valores e naquilo que mais profundamente acredita ser uma vida melhor.

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